sexta-feira, 7 de março de 2014

ATAQUEM AS MAZELAS por Fernando Calmon

Fernando-Calmon
Uma pena o sistema tributário brasileiro esconder o peso dos impostos sobre veículos. Existe, aliás, uma nova lei (adiada) que obriga a discriminação na nota fiscal, mas há dois problemas. Primeiro, o cipoal de impostos, taxas e contribuições ao longo da cadeia produtiva leva a um cálculo impreciso. Segundo, as tabelas deveriam ter dois preços, com e sem impostos, como informação fundamental ao consumidor.
É bom relembrar a diferença entre participação de impostos em mercadorias ou serviços e carga tributária. Esta equivale a dividir o preço com imposto pelo preço sem imposto. À medida que as alíquotas sobem a oneração torna-se exponencial; não se trata de cálculo linear. Se uma mercadoria custa 94 (sem imposto) e 100 (com imposto), por hipótese, a divisão resulta em 1,064 cuja expressão centesimal é 6,4%.
No Brasil, a soma nominal média das alíquotas de impostos sobre automóveis é de cerca de 30 pontos percentuais. Então a carga tributária, que todos sentem no bolso, fica bem salgada: 100 (com imposto) divido por 70 (sem imposto) dão 1,43 ou 43% (arredondado). A verdade nua e crua é que um automóvel vendido por R$ 30.000 custaria em torno de R$ 21.000, sem impostos, ou R$ 22.300 com carga tributária aproximadamente igual à dos EUA, por exemplo.
Se esse modelo tivesse motor com mais de 2 litros/gasolina, a “mordida” subiria para 54%. Em carros importados, fora da cota anual de IPI majorado e com impostos em cascata, vai além de 100%.
Conforme essa coluna comentou de outras vezes, se discutir preços no Brasil já é complicado pela matemática frívola de aloprados de plantão, comparar com o exterior torna-se pior pela variação de valor das moedas. Já nem surpreende o sindicalista João Cayres, em audiência pública de uma comissão do Senado Federal semana passada, afirmar que “só no Brasil um Camaro custa mais que um Mercedes”. Esqueceu-se de conferir que o modelo específico exportado para cá tem tabela 20% superior nos EUA e no mundo inteiro.
Na mesma comissão distribuiu-se lista comparativa de modelos vendidos nos EUA e aqui, sem considerar diferenças de versões, frete local e… impostos! Entretanto, ninguém pensou em cotejar preços de varejo com a Europa, onde existe afinidade entre produtos e versões do mercado brasileiro. Por uma “mágica” chamada valorização do euro frente ao real, a maioria dos modelos vendidos no Brasil já têm o mesmo preço nominal ou são mais baratos, mesmo sem considerar a diferença de impostos.
Nem adianta se aprofundar nas diferentes estratégias tributárias dos países, como taxar mais o consumo ou a renda. Muita gente já tem cabeça feita, não gosta de fazer contas, faz comparações “incomparáveis” (inclusive com o México) e desconsidera variações cambiais que levam a sérias distorções para o mal e para o bem (ora o carro fica mais caro, ora mais barato). O Brasil, sim, tem problemas graves de custos de produção, infraestrutura, tributação, ineficiência, produtividade e, o principal, de educação formal e especializada.
Difícil aceitar perder tempo com discussões inócuas e de foco errado nas comissões legislativas em Brasília. Costuma descambar para viés ideológico, em vez de atacar de frente nossas próprias mazelas.
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fernando@calmon.jor.br e www.twitter.com/fernandocalmon

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